Saúde do solo em foco: fazenda transforma agronegócio com práticas inovadoras que reduzem custos e aumentam a produtividade.
Na região de Rio Verde, Goiás, a Fazenda Bom Jardim Lagoano está desbravando novos caminhos para a agricultura brasileira. A propriedade, existente desde 1987 e com 1400 hectares dedicados à produção de soja e milho, é um exemplo notável de como a transição para a agricultura regenerativa pode resultar em benefícios econômicos e ambientais expressivos.
Sob a gestão técnica do engenheiro agrônomo Adriano Cruvinel, a fazenda localizada no município de Montividiu, de propriedade de seu sogro Lázaro R. Cruvinel, e que conta, ainda, com a participação das filhas Priscilla e Ludmilla, não apenas aumentou significativamente sua produção de soja e milho, mas também reduziu drasticamente os custos operacionais e os impactos ambientais.
A jornada da Bom Jardim Lagoano rumo à agricultura regenerativa começou há oito anos, quando a fazenda decidiu abandonar práticas convencionais em favor de métodos que valorizam a saúde do solo e a biodiversidade local. Para otimizar seus resultados, a fazenda implementou uma série de técnicas avançadas, incluindo grids de análise química e biológica do solo para um mapeamento preciso das necessidades de cada área. Além disso, a equipe passou a realizar análises de seiva a cada duas semanas, construindo suas próprias curvas de referência de Brix e macroelementos para um acompanhamento nutricional mais eficiente. A integração de Remineralizadores de Solo (REM), plantas de cobertura (adequadas a cada local) e microrganismos benéficos complementou essa abordagem, resultando na equalização da produtividade entre os talhões e em uma redução de até 64% no custo de produção, com uma média de redução de 49% nos últimos 8 anos.
A transição começou com uma abordagem experimental. Inicialmente, a fazenda utilizava grids de 2 a 3 hectares para análises químicas do solo, uma prática comum na agricultura de precisão. No entanto, mesmo com a equalização química dos talhões, não se observava um aumento significativo na produtividade. Com os custos de produção altos e a margem de lucro extremamente apertada em torno de 300 a 400 reais por hectare, Adriano percebeu a necessidade urgente de reduzir custos, diminuir a dependência e aumentar a resiliência da produção.
A solução começou a tomar forma quando Adriano e a equipe da fazenda, influenciados pelo engenheiro agrônomo Marconi Betta e inspirados pelo trabalho do também engenheiro agrônomo Rogério Vian, decidiram adotar métodos de agricultura regenerativa. O gestor explica que essa mudança não foi imediata, mas um processo de aprendizado e adaptação. “Eu já acompanhava e fazia todos os levantamentos e vimos que, mesmo equalizando os talhões na parte química, não conseguíamos alavancar a produtividade. Em paralelo a isso, o nosso custo estava alto e precisávamos encontrar uma solução para diminuí-lo.” Foi nessa época que Adriano conheceu alguns membros do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS) e passou a entender melhor sobre agricultura regenerativa e seus processos.



multiplicação de biológicos
Além da mudança em processos e adoção de insumos como Remineralizadores de Solo, a fazenda passou a investir em bioinsumos. Em 2016, foi instalada uma biofábrica para a produção de fungos e bactérias, substituindo gradualmente os insumos químicos por biológicos. Atualmente, o uso de REM é presente em toda a produção. Foi possível também substituir completamente os fungicidas por bioinsumos, integrando essas práticas à abordagem regenerativa. Além disso, o uso de inseticidas químicos foi reduzido em 76%, com a expectativa de substituição total em médio prazo.
O desafio da transição
A transição para a agricultura regenerativa na Fazenda Bom Jardim Lagoano não foi apenas uma decisão técnica, mas também um desafio de convencimento e adaptação cultural. Um dos principais desafios enfrentados por Adriano Curvinel foi convencer a si próprio e ao proprietário, que tinha décadas de experiência com métodos tradicionais, a implementar novos processos.
“Como é que eu pego uma pessoa que está há 29 anos praticando agricultura de uma forma e convenço ele a mudar? Primeiro, eu tive que convencer a mim mesmo, porque eu também só conhecia a agricultura daquela forma.” Ele optou por começar com um talhão experimental de 44 hectares, onde aplicaram Remineralizadores de Solo e substituíram fungicidas químicos por biológicos. Os resultados positivos logo se refletiram na produtividade e na economia financeira, encorajando a expansão das práticas regenerativas para toda a fazenda.
A análise dos dados coletados durante os anos anteriores à mudança foi essencial para a tomada de decisão. “Como eu tinha tudo planilhado, foi uma questão de analisar os dados. E as planilhas precisam ser avaliadas de modo que você tire a parte sentimental, que induz a muitos erros. E o que eu faço até hoje é tentar sempre puxar para o que o campo está me mostrando”, explica o engenheiro agrônomo.




A estratégia deu certo. Nos anos seguintes, os resultados começaram a aparecer e a confiança nas novas práticas cresceu. No segundo ano, a área de aplicação foi ampliada, e no terceiro ano, novas técnicas foram implementadas. O processo gradual ajudou a consolidar a mudança. A tarefa de convencer o proprietário foi cumprida com êxito. “Como é que você faz para mudar? A primeira coisa é mostrar o resultado no campo. É o que o produtor entende melhor”, diz Adriano. Ele complementa: “você pode falar pra ele dez dias seguidos sobre práticas, sobre conceitos e tudo mais. Mas na hora em que você fala de economia, a história muda.”
Resultados nutricionais
Além das mudanças nas práticas agrícolas e na sustentabilidade financeira, a Fazenda Bom Jardim Lagoano também observou melhorias significativas na qualidade nutricional das plantas. A adoção de novas tecnologias e métodos de medição permitiu monitorar e ajustar os níveis de nutrientes dos grãos de forma mais eficiente e precisa.
Adriano Curvinel explica que utiliza parâmetros que permitem medir o estado nutricional das plantas. “Coleto a amostra de seiva e, em 15 minutos, tenho as medições. Isso nos permite fazer ajustes rápidos e contínuos nas práticas de manejo, garantindo que as plantas recebam a nutrição adequada em todas as fases de crescimento.”

A análise contínua e detalhada ao longo dos ciclos de cultivo permitiu à fazenda construir suas próprias curvas de referência nutricional para soja e milho. “Há três anos, começamos a construir nossos próprios gráficos, coletando dados a cada duas semanas. Isso nos ajuda a entender melhor as necessidades nutricionais das plantas em diferentes estágios de crescimento”, diz Adriano.
Os resultados dessas práticas têm sido expressivos. A fazenda identificou aumentos significativos nos níveis de fósforo e notou que as plantas não apresentam mais sintomas de doenças comuns, como o Fusarium e Mofo Branco. “Embora o Fusarium e Mofo Branco ainda estejam presentes no solo, a saúde geral das plantas melhorou tanto que elas não são mais afetadas”, analisa o gestor.
A experiência com solos mais nutridos e aerados também contribuiu para um ambiente mais propício para microrganismos benéficos, que ajudam a suprimir os patógenos. Com foco na saúde do solo e na aplicação de práticas regenerativas, a Fazenda Bom Jardim Lagoano vem se transformando em um exemplo de agricultura sustentável e de alta qualidade nutricional.
“Essas práticas nos permitiram não só melhorar a qualidade das nossas colheitas, mas também reduzir significativamente o uso de produtos químicos, economizando recursos e protegendo o meio ambiente”, explica Adriano.
Referência em boas práticas
A Fazenda Bom Jardim Lagoano também se destaca como um centro de pesquisa e desenvolvimento. O projeto Regenera Cerrado, que reúne 14 instituições de pesquisa, incluindo Embrapa e diversas universidades, trouxe mais de 30 pesquisadores para colaborar diretamente na propriedade.


E os estudos produzidos recentemente, com base na experiência da Bom Jardim Lagoano e outras fazendas com modelo semelhante, mostram que a rentabilidade líquida das fazendas que adotam práticas regenerativas é 44% maior em comparação com as fazendas tradicionais.
A abordagem regenerativa na propriedade não apenas melhorou a saúde do solo e reduziu a dependência de insumos químicos, mas também promoveu a biodiversidade e a sustentabilidade. Com menos produtos químicos e menos exposição dos trabalhadores a substâncias tóxicas, a fazenda criou um ambiente de trabalho mais seguro e sustentável, o que tem chamado a atenção de produtores e técnicos de todo o Brasil.
Um dos projetos em andamento é a criação de um espaço para compartilhamento de experiências, baseado nas visitas frequentes que a fazenda recebe de interessados em conhecer de perto os resultados. “Vamos construir uma sala de treinamento dentro da fazenda. As pessoas virão aqui e nós vamos conversar com elas, explicar o que a gente faz, abrir os dados para quem quiser. Eu não acho justo ficar com isso só para nós. Quanto mais gente trabalhar com agricultura regenerativa, melhor”, explica Cruvinel.
Com um olhar para o futuro, o engenheiro agrônomo acredita que estão apenas começando. A fazenda tem planos de expandir ainda mais suas técnicas e implementar novas ações, como a criação de uma outra biofábrica (macro organismos) e o desenvolvimento de métodos ainda mais inovadores, como a utilização de nanotecnologia na produção.
Resultado econômico expressivo
Em termos de custos, a adoção da agricultura regenerativa resultou em uma economia impressionante para a Fazenda Bom Jardim Lagoano. Nos últimos oito anos, a fazenda conseguiu reduzir quase 49% do custo de produção, em média, com picos de até 64% em anos recentes. Além disso, a redução do uso de fungicidas e inseticidas químicos foi substancial. Em 2016, a fazenda aplicou 84,2 litros de fungicida; em 2021, esse número já havia caído para zero em várias safras consecutivas. “No total, foram evitados mais de 40 mil litros de fungicidas e um pouco mais de 64 mil litros de inseticidas químicos ao longo de oito anos, além da diminuição de adubos solúveis nos anos em que custavam até R$7.200,00 a tonelada (época da pandemia de COVID-19), por exemplo. Foram substituídos, aos poucos, por remineralizadores de liberação gradual”, explica Adriano.


Outro fator importante citado pelo agricultor é a utilização de armadilhas para controle de lagartas na fase adulta, ou seja, enquanto ainda estão na fase de mariposas. “A eficiência desta técnica é muito maior e mais inteligente também, porque uma mariposa de Spodoptera frugiperda coloca entre 450 a 1.000 ovos/oviposição. Então, utilizar armadilhas distribuídas em todo o entorno da fazenda (no total foram 184 armadilhas) e utilizar aplicações em faixas a cada 120m de um atrativo alimentar é um ganho muito mais expressivo. Desta forma, temos deixado de utilizar químicos para controle desta praga. Este é só um dos vários exemplos que podemos citar, de que ao pensarmos “fora da caixa”, podemos aumentar nossa eficiência e reduzir custos”, defende.
A análise econômica de Adriano mostrou que a agricultura regenerativa pode oferecer um retorno substancialmente maior em comparação com modelos tradicionais. “Este conjunto de técnicas e ações integradas já gerou uma economia de mais de R$29 milhões. Isso era impensável antes de iniciarmos neste processo de transição para a Agricultura Regenerativa”, relembra o agricultor.
Em 2021/22, a alta nos preços das commodities, combinada com custos estáveis e alta produtividade, resultou em uma economia ainda maior, de 64%, um resultado surpreendente até mesmo para os gestores. No ano seguinte, a economia foi de 61%, enquanto na safra de 2023/24, com a queda no preço da soja e variações na economia, o lucro foi de 35,8%, um valor ainda muito expressivo se comparado com números da agricultura convencional.
Poder de negociação – A excelente performance da fazenda não só gera benefícios financeiros imediatos, mas também melhora a relação com fornecedores e parceiros. No último exercício, a apresentação dos dados de rentabilidade e redução de riscos aos bancos resultou na dispensa do pagamento de seguro obrigatório para financiamento, uma economia de cerca de R$500 mil por ano. Nesse caso, a fazenda conseguiu demonstrar às instituições financeiras a menor probabilidade de inadimplência em virtude da viabilidade e segurança dos métodos adotados na produção.
A adoção generalizada das práticas da Fazenda Bom Jardim Lagoano em nível nacional, poderia transformar o agronegócio brasileiro, que representou cerca de 23,5% do PIB do país em 2023. Ao redirecionar parte dos recursos do Plano Safra, que disponibilizou R$400,59 bilhões para o setor em 2024/2025*, para incentivar a agricultura regenerativa nos moldes dessa fazenda, o Brasil não apenas teria um aumento da produtividade agrícola, mas também fomentaria a sustentabilidade ambiental e a resiliência econômica. A redução dos custos de produção, a diminuição da dependência de insumos externos e a melhoria da qualidade nutricional dos alimentos fortaleceriam a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado global, gerando valor agregado e impulsionando o desenvolvimento econômico do país de forma sustentável.
“Hoje, se você falar para o meu sogro ou para qualquer pessoa da equipe aqui dentro da fazenda que vamos voltar para o antigo modelo, ninguém quer. Imagina você pegar 49% do que você gastava e transformar em lucro e possibilidade de investimento? Estamos falando de milhões!”, conclui Adriano.

* Segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), PIB do Agronegócio Brasileiro – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – CEPEA-Esalq/USP
** Fonte: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/plano-safra/2024-2025
Fotos: Acervo Fazenda Bom Jardim Lagoano