Entrevista

Para falar do potencial do Brasil como um polo de inovação em soluções climáticas, especialmente na área de captura de carbono com o uso de Remineralizadores de Solo, convidamos dois importantes nomes, Niklas Kluger, COO e Co-Fundador da InPlanet e Júlia Marisa Sekula, CFO e Co-Fundadora da Terradot, que compartilharam suas visões sobre como o carbono se tornou uma commodity essencial e de que maneira suas organizações estão impulsionando a descarbonização e a agricultura regenerativa em solo brasileiro.

Você acha que o carbono já se tornou uma das commodities mais importantes em nível global? Por quê?

Niklas Kluger – InPlanet – Sem dúvida, o carbono já se tornou uma das commodities globais mais estratégicas, tanto do ponto de vista econômico quanto geopolítico. No mundo inteiro, os créditos de carbono agora são comprados e vendidos de forma semelhante a bens tradicionais, e no ano passado, o comércio alcançou quase US$1 trilhão. Para que as metas climáticas globais sejam alcançadas, estima-se que será necessário remover anualmente 15 bilhões de toneladas de CO₂ até 2050, um aumento de 1.300% em relação aos níveis atuais. Essa necessidade crescente está impulsionando uma demanda sem precedentes por créditos de carbono, especialmente aqueles de remoção de alta qualidade e verificáveis. O mercado voluntário de carbono por si só deve crescer de US$ 2 bilhões em 2022 para mais de US$ 100 bilhões até 2030, refletindo como o carbono está rapidamente se tornando um ativo de alto valor negociado globalmente. Mais importante ainda, os mercados de carbono estão começando a moldar políticas nacionais e marcos legais.

O recente lançamento do mercado regulado de carbono do Brasil (SBCE), sancionado pelo presidente Lula em dezembro de 2024, é um exemplo chave dessa evolução. A lei estabelece um sistema que impõe limites legais às emissões e cria um mercado estruturado para compra e venda de créditos de carbono. Isso traz aplicabilidade e transparência à precificação do carbono, elementos essenciais para sua ampla transformação em commodity. A nova lei também abre espaço para inovações em remoção de carbono, como o Intemperismo Aprimorado de Rochas. O Brasil está singularmente bem posicionado para liderar essa transformação. Com vastos recursos naturais, décadas de pesquisa em remineralização e um marco regulatório favorável, o país tem o potencial de se tornar uma referência global na integração da remoção de carbono aos mercados voluntário e regulado.

Em última análise, o carbono deixou de ser uma externalidade invisível para se tornar um ativo estratégico e de alto valor. Hoje, ele é negociado, regulamentado e precificado, desempenhando um papel central na política climática nacional, nas estratégias ESG corporativas e nos mercados globais de capitais. À medida que o mundo corre para alcançar as metas climáticas, o carbono deixa de ser apenas um custo a ser gerenciado e passa a ser uma commodity capaz de impulsionar investimentos significativos em soluções climáticas e práticas regenerativas.

Júlia Marisa Sekula – Terradot – Acho que estamos chegando lá. O carbono está sendo precificado, negociado e as emissões são cada vez mais modeladas e regulamentadas em jurisdições ao redor do mundo (Europa, Japão, etc.). Mas, à medida que avançamos em direção a 2030, a curva de emissões não deixa ambiguidade: a descarbonização por si só não é suficiente. Também precisamos de remoção – remoção real, durável e cientificamente validada – que possa ser precificada, comercializada e regulamentada da mesma forma e integrada aos sistemas de emissões atuais.

Por que a Terradot e a InPlanet escolheram o Brasil para iniciar projetos de captura de carbono usando remineralizadores de solo?

Niklas Kluger – InPlanet – O Brasil tem tudo pra ser protagonista no uso do Intemperismo Aprimorado de Rochas como solução para o clima. Foi justamente por isso que a InPlanet escolheu começar suas atividades por aqui. Os solos brasileiros, que são naturalmente pobres em minerais, respondem muito bem à aplicação de remineralizadores, que além de capturar CO₂ da atmosfera, ainda contribui para a fertilidade do solo. É uma solução que traz resultado direto para o campo. Em testes, vimos ganhos de produtividade de até 35% e uma redução no uso de insumos químicos que chega a 50%. Ou seja: mais rentabilidade para o produtor e um jeito mais sustentável de produzir.

Além do solo favorável, o Brasil oferece dois fatores estratégicos fundamentais: escala e infraestrutura limpa. Com mais de 200 milhões de hectares de áreas agrícolas, o país tem potencial para se tornar líder mundial em remoção de carbono por meio do intemperismo aprimorado. E com mais de 70% da matriz elétrica proveniente de fontes renováveis, sobretudo hidrelétricas, conseguimos realizar as etapas de moagem, transporte e aplicação do remineralizador com baixíssima emissão associada. Estimamos que apenas cerca de 7% do carbono removido seja reemitido ao longo de todo o processo, um dos índices mais eficientes entre as tecnologias de remoção atualmente disponíveis.

Júlia Marisa Sekula – Terradot – Nenhum lugar na Terra está melhor posicionado para liderar o Intemperismo Aprimorado de Rochas (ERW) do que o Brasil. Por quê? Primeiro, a localização única da geologia e da agricultura: as vastas pedreiras de silicato do Brasil ficam lado a lado com algumas das terras agrícolas mais produtivas do mundo. Cada pedreira tem um potencial motor de remoção de carbono pronto para ativação. Em segundo lugar, o clima quente e úmido acelera as taxas de intemperismo em até 3x, desbloqueando uma redução de carbono mais rápida e eficaz. Mas não são apenas as condições, são as pessoas. O Brasil tem um ecossistema profundamente colaborativo e ambicioso: agricultores, cooperativas, Embrapa, minerações e universidades já estão testando, melhorando e escalando. O Brasil já mudou o mundo uma vez com outro tipo de pó de rocha, o calcário, na década de 1970, e vemos uma oportunidade de fazer isso novamente.

Que visões de curto e longo prazo suas organizações têm?

Niklas Kluger – InPlanet – No curto prazo, nosso principal objetivo é atingir a marca de 1 megaton de carbono removido e certificado. Já emitimos os primeiros créditos de intemperismo aprimorado do mundo e estamos avançando rapidamente na expansão das operações. No médio e no longo prazo, queremos contribuir significativamente para a meta global de remoção de bilhões de toneladas de CO₂, um esforço indispensável mesmo nos cenários mais otimistas de redução de emissões.

Acreditamos que o Brasil tem tudo para ser um protagonista nessa nova fronteira climática. Estamos construindo aqui não apenas uma solução tecnológica, mas um modelo de cooperação entre ciência, agronegócio e inovação capaz de gerar impacto ambiental positivo em escala global.

Júlia Marisa Sekula – Terradot – Dentro do ano, estamos focados em ciência de qualidade. A demonstração do potencial do ERW começa com isso. Primeiro, precisamos reduzir nossa incerteza de medição e aumentar nossa taxa de geração de CDR. Isso nos permitirá implantar com confiança, sabendo que cada grama de rocha que espalhamos está resultando na remoção de carbono, e entregar aos nossos compradores na Frontier, Microsoft e Google. Enquanto fazemos isso, também estamos lançando experimentos para responder a perguntas científicas importantes a fim de construir a compreensão do sistema para a comunidade ERW mais ampla.

Isso nos posicionará para aumentar a cada ano com a velocidade necessária para que o ERW seja reconhecido como uma solução chave de remoção de carbono que pode atender às nossas metas climáticas.

Quais são os princípios e hipóteses que norteiam suas ações quanto à aplicação e dosagem de remineralizadores em diferentes agroecossistemas, no Brasil?

Niklas Kluger – InPlanet – A nossa atuação é guiada por um duplo objetivo: maximizar a remoção de carbono da atmosfera e, ao mesmo tempo, gerar benefícios agronômicos concretos para os produtores rurais. As dosagens recomendadas, geralmente entre 10 e 20 toneladas por hectare, ainda são novidade para muitos agricultores, mas podem ser aplicadas com os equipamentos já disponíveis nas propriedades. Quando necessário, oferecemos suporte técnico adicional, como planos de aplicação otimizados, calibração de máquinas e acesso a uma rede de prestadores de serviço e locação de equipamentos.

Também buscamos garantir a viabilidade econômica para o produtor. Para isso, subsidiamos de forma significativa o remineralizador aplicado e priorizamos distâncias curtas de transporte, reduzindo os custos logísticos e tornando o modelo mais atrativo financeiramente. O uso dessas dosagens mais elevadas é fundamental para viabilizar a medição precisa da remoção de carbono no solo e para recomendar, com segurança, a substituição do calcário e a redução parcial de insumos químicos convencionais. É importante destacar que não aplicamos essas quantidades de forma indiscriminada em todos os tipos de solo. Antes de cada aplicação, realizamos análises específicas de limiares críticos para cada combinação entre remineralizador e solo, garantindo que nenhum elemento exceda níveis aceitáveis. Essa estratégia direcionada nos permite atuar com maior eficácia, aplicando apenas onde o impacto agronômico e climático será maximizado.

Júlia Marisa Sekula – Terradot – Nosso objetivo é otimizar a interseção de solo, rocha e clima para maximizar a remoção mensurável de carbono (CDR) enquanto gera valor agronômico. Implantamos em diversos agroecossistemas brasileiros – matérias-primas, tipos de solo, sistemas de cultivo e climas variados – não apenas para demonstrar desempenho, mas para compreender o sistema: o que funciona, onde e por quê? Cada ambiente é uma oportunidade de aprendizado.

Adaptamos a dosagem com base na reatividade mineral, química local do solo e restrições práticas, como logística e operações do agricultor. Nossos pilotos de campo são estruturados em torno de hipóteses de teste, rastreando proxies de intemperismo, mudanças no solo, resposta de rendimento e taxas de CDR com rigor metodológico. E não fazemos isso sozinhos, co-criamos ao lado de agricultores, minerações, cooperativas e cientistas, incluindo a Embrapa, para construir uma estrutura de ERW confiável, adaptável e regionalmente relevante. O objetivo não é apenas a implantação, é aprender enquanto implantamos.

Que benefícios você prevê para a agricultura familiar e a agroecologia em relação aos créditos de carbono? E como esse público pode ser integrado às iniciativas da InPlanet e da Terradot, já que pequenos tamanhos de terra (normalmente) não favorecem a escalabilidade – um fator-chave para expandir a captura de carbono?

Niklas Kluger – InPlanet – A InPlanet iniciou suas operações em parceria com a Agroforestry Carbon, atuando diretamente com pequenos produtores agroflorestais em diversas regiões do Brasil. Em nossa fase piloto, selecionamos 20 parceiros, cada um recebendo cerca de 20 toneladas de remineralizadores para aplicar em seus sistemas agroflorestais. Desde então, a agricultura familiar tem mantido um papel relevante em nossos projetos. Estabelecemos parcerias com assentamentos rurais em Santa Catarina, São Paulo e Paraná e atualmente estamos implementando uma nova iniciativa com hortas comunitárias em Campo Grande.

Reconhecemos que áreas de cultivo menores representam desafios econômicos para projetos em escala comercial de remoção de carbono. Ainda assim, estamos comprometidos em destinar até 5% da área total de aplicação e do volume de remineralizadores para apoiar agricultores familiares e comunidades socialmente vulneráveis. Essa decisão busca garantir que os benefícios da remoção de carbono e da regeneração do solo não se limitem apenas a grandes propriedades. Acreditamos que ampliar o uso do intemperismo aprimorado de rochas de forma significativa e duradoura exige uma abordagem inclusiva, cada hectare e cada agricultor contam. Integrar práticas agroecológicas e a agricultura familiar não é apenas uma questão de justiça, mas também uma estratégia para desenvolver soluções climáticas mais resilientes e diversificadas.

Inspiram-nos também exemplos dos nossos amigos da Mati Carbon, na Índia, que tem demonstrado ser possível envolver com sucesso milhares de pequenos agricultores em projetos de remoção de carbono. Esses modelos reforçam que, com o apoio e as parcerias certas, a agricultura familiar pode ocupar um lugar central no ecossistema de créditos de carbono.

Júlia Marisa Sekula – Terradot – Os mercados de carbono historicamente favoreceram a escala, mas isso não significa que os sistemas de pequenos produtores sejam excluídos – eles são essenciais, especialmente nos estágios iniciais da inovação. Na Terradot, já lançamos parcerias com vários institutos agroecológicos, fazendas e redes de pequenos produtores para testar ERW em sistemas diversificados e de baixo consumo.

Com o tempo, nossa visão é construir uma plataforma onde qualquer agricultor (ou parte interessada do ecossistema ERW), independentemente do tamanho, possa se conectar ao ERW: conectando-se a fornecedores de rochas, logística e ferramentas MRV para executar suas próprias implantações positivas para o clima e a agronomia.


Niklas Kluger – InPlanet
Júlia Marisa Sekula – Terradot
Compartilhe:

Seções

plugins premium WordPress