A importância dosremineralizadores paraa agricultura orgânica

Autor: André Mundustock Xavier de Carvalho1.

A agricultura orgânica vem crescendo consistentemente desde os anos de 1980. Por muitos anos, figurou como o setor do agro americano com as maiores taxas de crescimento (Reganold et al., 2016). No mercado global, superou a cifra de € 120 bilhões anuais a partir de 2020 (Willer et al., 2024).

No Brasil, o setor vem crescendo mais rapidamente a partir dos anos de 1990 e atingiu 300% de crescimento no número de unidades de produção entre 2010 e 2018. Estes dados indicam que as cadeias produtivas ligadas aos orgânicos (permacultura, agricultura biológica, agricultura natural, agroecologia, entre outras) passaram a disputar uma fatia importante do mercado de alimentos global. Apesar do sobrepreço, fruto do desbalanço entre oferta e procura de alimentos orgânicos, o setor vem conquistando um mercado consumidor apoiando-se na conscientização sobre as incertezas da segurança dos agrotóxicos sintéticos e na conscientização sobre os impactos socioambientais da agricultura convencional baseada no grande latifúndio, na monocultura extensiva e no uso intensivo do solo e de outros recursos naturais não-renováveis.

Os valores de consumo gradualmente passaram a incorporar não apenas valores “egocêntricos” (centrados apenas no indivíduo, como “alimentos mais saudáveis”, “boa aparência” e “exclusividade”) como valores “coletivos” (como cadeias produtivas mais sustentáveis e descentralizadas, associadas à menor concentração de renda e riqueza, associadas ao respeito ao trabalhador para além das leis trabalhistas etc.). (Cunha, 2015).
Nesse contexto, é muito importante distinguir produtos “orgânicos” de “regenerativos”. Nos EUA, a cadeia de orgânicos esteve historicamente muito próxima da corrente “orgânico-regenerativa” criada por Robert Rodale (fundador do Instituto Rodale). Historicamente, portanto, boa parte do consumidor americano associa “agricultura regenerativa” com “agricultura orgânica”, uma vez que até ~2010 a agricultura regenerativa que existia era “orgânico-regenerativa”.

Hoje, no entanto, o termo agricultura “regenerativa” foi apropriado por setores sem vinculação com os sistemas orgânicos, nem sequer metas claras de redução do uso de agrotóxicos ou de fertilizantes sintéticos. Dessa forma, o surgimento da concepção de agricultura regenerativa não-orgânica criou alguma confusão entre os consumidores, que podem agora estar optando por produtos regenerativos acreditando que são orgânicos. A própria legislação brasileira de orgânicos, criada no contexto do início dos anos 2000, também faz essa associação ao abranger o termo “regenerativo” dentro dos sistemas orgânicos de produção (Lei 10.831/2003).

Nos EUA, a Organic Trade Association (OTA) inclusive questionou o Instituto Rodale em nota pública: “… como o Instituto Rodale se protegerá contra o uso do termo regenerativo pelas cadeias de produção não-orgânicas à medida que cresce a imagem dos produtos regenerativos?” Ainda segundo a nota: “… a história recente dos padrões privados de certificação nos dá cautela sobre programas de ‘prestígio’ para sistemas convencionais” (OTA, 2017). Dessa forma, apesar dos esforços da agricultura regenerativa atual (não orgânica) em promover melhores práticas agrícolas como o uso de adubos verdes, rotação de culturas, uso de insumos biológicos e adubação orgânica, ela tem sido apontada como simples “agricultura convencional reembalada”, uma vez que não assumiu compromissos ambientais e sociais mais claros e ousados (Tittonell et al., 2024).

Comparativamente aos sistemas convencionais, os sistemas orgânicos de produção são apontados como sistemas que melhor promovem a qualidade do solo e os serviços ecossistêmicos, minimizam o uso de energia não-renovável, promovem a biodiversidade, minimizam o uso de pesticidas, a poluição da água, do ar, do solo e ainda melhoram a qualidade do trabalho (Reganold et al., 2016). Além disso, a melhor compatibilidade dos sistemas orgânicos, e especialmente dos agroecológicos, com a agricultura familiar vai diretamente ao encontro da necessidade de promoção de arranjos produtivos locais, de promoção do desenvolvimento humano, de valorização da cultura dos povos e da necessidade de redução das desigualdades (ODS 10).

A redução das desigualdades é um ponto-chave que figura como a principal causa de diversos problemas sociais e de desequilíbrio de poder político. Portanto, a agricultura orgânica e, em especial, a agroecologia, valoriza as multifuncionalidades da agricultura, para muito além da simples produção de alimentos, combustíveis e fibras. No Brasil, no entanto, os aspectos sociais e culturais relacionados à agricultura orgânica não foram devidamente incluídos na regulamentação dos orgânicos (Portaria 52 de 15/03/2021 do MAPA), o que permitiu a expansão da certificação orgânica como uma simples ferramenta para acesso a mercados, viabilizando uma agricultura de apenas substituição de insumos, sem indicadores sociais mais relevantes do que apenas o cumprimento das leis trabalhistas.

Como uma corrente contra hegemônica de agricultura, os sistemas orgânicos de produção enfrentam diversos problemas, como a carência de investimentos em pesquisa acadêmica, estruturação de cadeias de comercialização coletivas, desenvolvimento participativo de novas tecnologias aplicáveis a estes sistemas etc. Entre estes problemas, está a carência de pesquisas com novas práticas de manejo da fertilidade do solo e novas fontes de nutrientes, uma vez que os fertilizantes sintéticos convencionais não são permitidos.

Vale lembrar que, muitas vezes, os fertilizantes orgânicos utilizados nos sistemas orgânicos são provenientes de propriedades convencionais, o que significa que os fertilizantes sintéticos contribuem indiretamente como fontes de nutrientes. Nesse contexto, a regulamentação e a pesquisa com remineralizadores são uma demanda antiga do setor, visando descentralizar a produção e comercialização de fertilizantes e reduzir a dependência indireta dos fertilizantes sintéticos.

Os remineralizadores são fontes multinutrientes de liberação lenta. Além dos efeitos nutricionais para elementos essenciais e benéficos, as rochas silicatadas moídas podem ter ações sobre o pH do solo (geralmente apenas correções de pequena magnitude ou manutenção do pH, já que o PRNT comumente é inferior a 15%); aumento da CTC (que pode ser inclusive mais expressivo que os aumentos detectados pela metodologia usual de avaliação da CTC); competição pelos sítios de adsorção de P; redução da volatilização de amônia (não está suficientemente claro se este efeito é apenas associado ao aumento da CTC); sequestro de carbono/estabilização da matéria orgânica, entre outros.

Importante frisar que a reatividade da rocha é muito variável de rocha para rocha, em função de características como mineralogia, granulometria do material e estrutura dos minerais formadores das rochas (se estão bem cristalinos, microcristalinos, parcialmente amorfos, pré-alterados etc.). A reatividade de cada rocha vai depender também das condições do solo, sendo limitada em condições de baixa umidade, baixa temperatura, drenagem deficiente, baixa CTC, baixa atividade biológica, alto pH e alta disponibilidade de K e Si, uma vez que estes elementos tendem a frear as reações de hidrólise mineral.

A liberação de nutrientes dos remineralizadores é fortemente dependente da espécie mineral na qual cada nutriente está presente. De modo geral, a reatividade dos minerais é dependente da classe à qual ele pertence, e a classe é relacionada ao grupo aniônico do mineral. Não por acaso, é o grupo aniônico quem define a maior parte das propriedades de um mineral e não o cátion presente na estrutura. Os carbonatos e fosfatos estão entre os minerais mais reativos presentes em alguns remineralizadores, seguidos dos nesossilicatos, feldspatóides e piroxênios. Por outro lado, muscovita, feldspato potássico, óxidos, argilominerais secundários e quartzo estão entre os minerais mais estáveis e são quase inertes no curto e médio prazo. Note, portanto, que a reatividade dos remineralizadores (rochas silicatadas) é menor que a dos fosfatos naturais e, portanto, a liberação de nutrientes é sempre muito mais lenta que a dos fertilizantes convencionais. Se, por um lado, isso limita o uso destes materiais como única fonte de nutrientes em áreas de fertilidade não corrigida, por outro, isso estimula o uso concomitante de fertilizantes orgânicos e reduz o risco de estresse salino ou desequilíbrios nutricionais, mesmo quando aplicado em doses elevadas (Carvalho et al., 2018).

É importante ter em mente que, diferentemente dos calcários e fosfatos naturais, dois remineralizadores com os mesmos teores totais de Si e K, por exemplo, podem ter reatividades radicalmente diferentes em função da mineralogia e da granulometria do material. Infelizmente, até o momento, o fabricante de remineralizador não precisa informar juntamente com o produto nenhum parâmetro relativo à reatividade do produto para que o consumidor possa comparar, ao menos aproximadamente, as diferenças entre diferentes rochas.

Nos sistemas orgânicos, a fertilidade do solo é manejada com várias técnicas, geralmente incluindo adubação verde (especialmente útil para aporte de N e ciclagem dos demais nutrientes), adubação orgânica (fontes diversas, preferencialmente de disponibilidade local), podas (com disposição do material nas linhas de cultivo de interesse) e insumos inorgânicos (geralmente calcário, cinzas, fosfatos naturais e remineralizadores). Entre os fertilizantes orgânicos, compostos e vermicompostos podem ser misturados com remineralizadores, ainda que a rocha possa diluir os teores de N, C, S e P do material final, uma vez que a rocha possui alta densidade e geralmente menores teores destes elementos que os demais ingredientes orgânicos. Nesse sentido, especial atenção deve ser dada à venda de compostos “enriquecidos” com remineralizadores, mas comercializados por unidade de massa, pois as rochas moídas podem estar sendo usadas apenas como enchimento de alta densidade (afinal, a rocha em pó ocupa apenas os poros do composto).

Idealmente, o enriquecimento de compostos orgânicos com remineralizadores deve ser realizado no início do processo de compostagem para que os microrganismos envolvidos possam acelerar as reações do intemperismo dos minerais da rocha (Tavares et al., 2018). Para não comprometer sobremaneira a porosidade da mistura, no entanto, deve-se evitar adições maiores que ~20 % (m/v), ou seja, não ultrapassar ~200 kg m-3. Dependendo da granulometria dos materiais orgânicos, enriquecimentos a 10% (m/v) são ainda mais seguros visando não comprometer a aeração do material e o número de revolvimentos necessários. Como parte dos materiais orgânicos serão oxidados até CO2 + H2O pela biota, ao final do processo a proporção de rocha no composto estabilizado será consideravelmente maior que a proporção inicial. Como demonstrado por Melo (2023), algumas rochas podem ainda auxiliar na redução da volatilização de amônia das pilhas de compostos. Esse potencial também resulta na recomendação geral de aplicação de remineralizadores nas camas de animais.

Outra prática muito incentivada nos sistemas orgânicos é a utilização de adubação verde, sendo a semeadura do adubo verde realizada com aplicação de remineralizadores. Dessa forma, a depender do tempo de antecipação em relação à cultura principal e da rusticidade do adubo verde, pode-se aumentar a liberação de nutrientes do remineralizador. A utilização de leguminosas fixadoras de N pode ser especialmente interessante uma vez que, conhecidamente, resulta em maior acidificação de rizosfera que as espécies não nodulantes.
Os sistemas orgânicos também são reconhecidos por resultarem em incrementos nos teores de matéria orgânica do solo, ainda que nem sempre superando os teores anteriores ao uso do solo pela agricultura moderna. Este fato contribui para reduzir o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, uma vez que mantém um maior estoque de C no solo. Atualmente, muitas pesquisas e discussões estão em curso sobre o potencial de sequestro de C pelos remineralizadores, ainda que o mecanismo de sequestro por precipitação de carbonatos no solo seja improvável. Estimativas otimistas sugerem que um basalto, por exemplo, poderia sequestrar em torno de 8500 kg ha-1 de CO2 se aplicado na dose de 20 t ha-1 (Renforth, 2019).

A conversão para sistemas orgânicos, por outro lado, poderia facilmente gerar incrementos de ~1 % no teor de carbono orgânico do solo (Medeiros et al., 2024, 2025) e isso, só na camada de 0 a 20 cm, representaria uma captura de 20 t ha-1 de C (ou 73333 kg de CO2 por hectare). É um potencial de sequestro 8x maior, podendo ser muito superior em manejos de solo que conduzam a maiores incrementos nos teores de matéria orgânica.

Diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas e da Agenda 2030 da ONU, aliar o manejo orgânico do solo ao uso de remineralizadores é uma estratégia segura que deveria ser promovida por políticas públicas e pela sociedade em geral.


1 André Mundustock Xavier de Carvalho: Professor do Programa de Pós-Graduação em Agronomia/Produção de Plantas. Universidade Federal de Viçosa/Campus Rio Paranaíba, MG, Brazil. E-mail: andre.carvalho@ufv.br


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, A. M. X.; CARDOSO, I. M.; SOUZA, M. E. P., THEODORO, S. H. Rochagem: o que se sabe sobre essa técnica? In: Solos e Agroecologia. 1 Ed. Brasília: Embrapa. 4, p.103-128. 2018.
CUNHA, A. R. A. Abastecimento alimentar: a superação do padrão velho-obsoleto para o novo-ancestral. In: SCHNEIDER, S.; CRUZ, F.; MATTE, A. Alimentos para produtores e consumidores: conectando novas estratégias de abastecimento de alimentos. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, p. 54-70 (Série estudos rurais), 2015.
RENFORTH, P. The negative emission potential of alkaline materials. Nature communications, 10: 1401, 2019.
MEDEIROS, F. P.; CARVALHO, A. M. X.; RAMOS, C. G.; DOTTO, G. L.; CARDOSO, I. M.; THEODORO, S. H. Rock powder enhances soil nutrition and coffee quality in agroforestry systems. Sustainability, 16: 354, 2024.
MEDEIROS, F. P, THEODORO, S. H., CARVALHO, A. M. X., Oliveira, V. S., Oliveira, L. V., Almeida, R. A. P., Viana, M. B., Gomide, C. S. () The combination of crushed rock and organic matter enhances the capture of inorganic carbon in tropical soils, Journal of South American Earth Sciences, 152. 2025 https://doi.org/10.1016/j.jsames.2024.105254
MELO, M.C. Thermal environment characterization in a compost bedded pack barn with photovoltaic plates and ammonia volatilization under the application of remineralizers in different bedding materials. Tese doutorado em Engenharia Agrícola, UFLA, 2023.
OTA. https://ota.com/sites/default/files/indexed_files/OTA_RegenerativeCertification_FinalDraftVersion2.pdf. 2017.
REGANOLD, J.P.; WACHTER, J.M. Organic agriculture in the twenty-first century. Nature plants, 2: 15221, 2016.
TAVARES, L.F.; CARVALHO, A.M.X.; CAMARGO, L.G.B.; PEREIRA, S.G.F.; CARDOSO, I.M. Nutrients release from powder phonolite mediated by bioweathering actions. International Journal of Recycling of Organic Waste in Agriculture, 7: 89-98, 2018.
TITTONELL, P.; MUJTAR, V.; FELIX, G.; KEBEDE, Y.; LABORDA, L.; SOTO, R.L.; VENTE, J. Regenerative agriculture—agroecology without politics? Frontiers in Sustainable Food Systems, 6:844261, 2022.
WILLER, H., TRAVNICEK, J., & SCHLATTER, B. The World of Organic Agriculture: Statistics & Emerging Trends, 2025. Germany: FiBL & IFOAM-Organics International. 349p

Foto: Sítio Raiz/DF

Compartilhe:

Seções

plugins premium WordPress