Reginaldo Minaré

Bioinsumos para uma agricultura mais resiliente

Viabilizar a promoção da melhoria da qualidade do solo agrícola certamente é o efeito inovador mais relevante do uso dos bioinsumos dentro do conjunto de processos que caracteriza essa nova agricultura regenerativa.

Essa frase pode resumir a relevância dos bioinsumos para o Brasil na visão do entrevistado desta edição, Reginaldo Minaré. O Diretor Executivo da Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBINS) tem, além de uma vasta experiência no setor agropecuário, um trabalho muito relevante em defesa do uso de bioinsumos como ferramenta fundamental para uma agricultura mais sustentável e regenerativa.

Na entrevista, Minaré fala sobre sua trajetória profissional até a liderança da ABBINS, entidade que hoje protagoniza a luta pelo direito dos agricultores de produzir bioinsumos para uso próprio, marcada pela aprovação recente da Lei 15.070/24. Com uma visão estratégica e um profundo conhecimento do setor agropecuário, Reginaldo Minaré nos convida a refletir sobre o futuro da agricultura brasileira e o papel dos bioinsumos na construção de um sistema alimentar mais sustentável e resiliente.

Revista Novo Solo – Ao longo de sua carreira, o senhor tem se destacado no setor agropecuário. Como se deu essa trajetória e o que o motivou a atuar nessa área?

Reginaldo Minaré – Meus avós paternos e maternos eram agricultores. Passei minha infância e boa parte da adolescência na pequena Vila Barroso, na zona rural de Frutal-MG, no Triangulo Mineiro. Sempre ajudando meu pai em suas olarias e meu avô na produção de leite. Na juventude, deixei a região de Frutal para estudar e, após concluir o curso de direito na Universidade Metodista em Piracicaba, ingressei no programa de Mestrado em Direito da mesma universidade, curso que fiz como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, dissertando sobre a regulamentação da biotecnologia moderna. Terminei o curso de mestrado no ano 2000 e, já no início de 2001, estava em Brasília como consultor jurídico da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. Era o auge dos debates sobre os transgênicos. Essa foi a trajetória que me levou ao trabalho no campo da regulamentação da biotecnologia destinada à agropecuária, um segmento que considero espetacular e muito promissor.

Como nasceu a ABBINS e quais são os principais propósitos da entidade?

No ano de 2021, o direito do agricultor produzir bioinsumos para uso próprio foi questionado em Brasília e junto ao Ministério Público em vários Estados da Federação. Algumas indústrias queriam retirar do agricultor o direito à produção para uso próprio e assim garantir o monopólio da produção e venda dos bioinsumos. A ABBINS surge para fazer o contraponto a essa pretensão, é fruto da preocupação de um grupo de empresários com os rumos dessa regulamentação e, principalmente, com as ameaças ao direito do agricultor produzir bioinsumos para uso próprio. As indústrias que integram a ABBINS são indústrias nacionais modernas que se estruturaram para atender os dois mercados: o mercado de produção de bioinsumos prontos para uso e o mercado de fornecimento de insumos (inóculos, meio de cultura e biofábricas), para o agricultor que fez a opção pela produção de bioinsumo para uso próprio em sua propriedade. Esse foi o cenário que levou à fundação da ABBINS e que definiu sua agenda de trabalho. Importante observar que a ABBINS, desde sua origem, tem uma parceria sólida com o Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), uma demonstração de que indústria e agricultores podem e devem trabalhar juntos; uma parceria bem construída é saudável para os dois segmentos. A ABBINS começou a atuar em um período difícil. Em 2023, começamos um trabalho muito forte junto ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo, defendendo uma lei de bioinsumos garantidora dos modelos de negócios já consolidados no Brasil e fazendo a defesa dos agricultores perante o Ministério Público em vários Estados, onde eles foram denunciados por uma associação representativa de algumas indústrias, que argumentava que os agricultores que produziam seus próprios bioinsumos estavam praticando uma ilegalidade. No Estado do Paraná, por exemplo, na decisão do Ministério Público que arquivou a denúncia feita contra os agricultores, tem uma referência ao trabalho de esclarecimento que a ABBINS fez, defendendo os agricultores.

O que o incentivou a se dedicar aos bioinsumos e como o senhor enxerga o papel deles na agricultura de base regenerativa?

Ao longo de quase duas décadas, fui coordenador da área de tecnologia da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA. Com a senadora Kátia Abreu trabalhei ao longo de 11 anos, sempre como consultor jurídico para assuntos relacionados à regulamentação da biotecnologia e dos insumos agrícolas. Durante essa experiência, um desafio constante e que parecia intransponível era a grande dependência da agricultura brasileira de insumos importados, especialmente agrotóxicos e fertilizantes químicos, situação sempre associada à concentração do mercado de insumos, ao impacto no aumento do custo de produção e à polêmica dos efeitos negativos no solo e na biodiversidade do uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Quando os insumos biológicos começaram a ser utilizados na produção de grande escala no Brasil, surgiu uma alternativa real e viável para a redução da dependência de insumos importados e uso de um tipo de insumo agrícola que demonstrou ser efetivo para a redução do custo de produção, para melhorar a qualidade do solo e que é mais amistoso com os polinizadores e toda a biodiversidade que convive e contribui com a prática agrícola. No início de 2023 o Luiz Barcelos, grande amigo e grande produtor de melão no Nordeste brasileiro, me convidou para ser o Diretor Executivo da ABBINS e trabalhar por uma legislação de bioinsumos moderna e garantidora dos direitos dos agricultores e da indústria. Aceitei na hora, pois era a oportunidade de participar do trabalho por uma mudança profunda da prática agrícola brasileira, do modelo de mercado de insumos agrícolas e de consolidar o uso dos insumos biológicos que são basilares para a prática da agricultura regenerativa. Isso foi o que me motivou a fechar o foco nos bioinsumos.

Quais são os principais desafios enfrentados pelo setor de bioinsumos no Brasil e como a ABBINS tem trabalhado para superá-los?

O principal desafio era a pavimentação normativa. A publicação da Lei de Bioinsumos (Lei nº 15.070, de 2024) em dezembro de 2024 foi uma vitória da agropecuária e da agroindústria brasileiras. Neste ano de 2025, o grande desafio é a regulamentação da Lei de Bioinsumos, temos que trabalhar duro para garantir uma regulamentação clara e garantidora também. A definição de um conceito de agricultura regenerativa tropical para orientar políticas públicas também é importantíssima. Outro desafio é o diálogo com as universidades e escolas agrícolas. É muito importante que os currículos acompanhem essa revolução que está acontecendo no campo, é imprescindível que a carga horária destinada ao estudo dos insumos biológicos e das práticas que compõem a agricultura regenerativa esteja bem dimensionada nas universidades e escolas agrícolas.

Como os bioinsumos contribuem para práticas agrícolas mais sustentáveis e quais inovações o senhor destaca nesse campo?

O uso de bioinsumos promove a saúde do solo, protege e restaura a biodiversidade acima e abaixo do solo, reduz a dependência de insumos químicos, reduz custo de produção, contribui com o sequestro de carbono e com a redução de emissão de gases de efeito estufa na agropecuária. O trabalho feito pela Johanna Döbereiner pesquisando bactérias capazes de realizar a fixação biológica do nitrogênio (FBN) é simbólico. Substituir o uso de fertilizantes nitrogenados importados por bactérias fixadoras de nitrogênio na soja foi e continua sendo determinante para o sucesso da produção de soja no Brasil. Entretanto, viabilizar a promoção da melhoria da qualidade do solo agrícola certamente é o efeito inovador mais relevante do uso dos bioinsumos dentro do conjunto de processos que caracteriza essa nova agricultura regenerativa.

A sanção da Lei de Bioinsumos (Lei 15.070/24) representa um marco para o setor. Quais pontos o senhor destaca como os mais importantes dessa Lei?

Sim, foi um divisor de águas. Garantir de forma clara e objetiva o direito dos agricultores à produção de bioinsumos para uso próprio; permitir a produção para uso próprio por meio de cooperativas e associações; e garantir para as indústrias uma regra clara para o registro de estabelecimentos, produtos formulados e inóculos são pontos importantíssimos da Lei. Vários outros pontos também são importantes. Até então, os bioinsumos eram regulados por diversas leis e aglutinar a regulamentação de todos os bioinsumos agropecuários em uma única lei é uma excelente novidade. Separar os bioinsumos destinados ao controle de pragas e doenças da regulamentação dos agrotóxicos é um feito histórico da Lei. Criar o registro de inóculos de bioinsumos é uma inovação excelente.

A legislação dispensa de registro a produção de bioinsumos para uso próprio, desde que não seja comercializado. Como essa medida pode ajudar os pequenos, médios e grandes produtores?

Permitir, sem burocracias desnecessárias, a produção de bioinsumos para uso próprio contribui com a redução do custo de produção desses agricultores e, ao mesmo tempo, promove a saúde do solo em suas propriedades. Melhorar a renda dos agricultores familiares é um desafio para o Brasil. De um lado temos uma ampla badalação do sucesso mundial da agropecuária brasileira, por outro temos uma realidade de milhares de agricultores familiares dependendo de programas sociais do governo.

Com a sanção da Lei de Bioinsumos, quais são os principais aspectos da regulamentação que precisam ser abordados para garantir que a produção e o manuseio de bioinsumos sejam realizados de forma segura e eficaz?

A Lei de Bioinsumos define onde o agricultor pode obter os inóculos de microrganismos destinados à produção para uso próprio. Ele pode adquirir inóculo de uma indústria ou de um banco de germoplasma credenciado pelo órgão de defesa agropecuária. A Lei permite também que o bioinsumo seja produzido a partir de comunidades de microrganismos coletadas pelo agricultor em sua propriedade, que é uma prática antiga. A Lei tem também a previsão de estabelecimento de instruções de boas práticas pelo órgão federal de defesa agropecuária e de elaboração de um manual orientador para a produção de bioinsumos pela agricultura familiar, povos indígenas e comunidades tradicionais. Todos são exemplos de temas que serão detalhados no regulamento e contribuirão com a segurança das práticas. Importante também ressaltar que o Brasil já possui um longo histórico de produção de bioinsumos para uso próprio. Essa produção foi autorizada por um decreto presidencial no ano de 2009. Temos, portanto, 15 anos de produção de bioinsumos para uso próprio com total segurança para os agricultores, trabalhadores rurais, consumidores e meio ambiente.

Para produzir bioinsumos para uso próprio é necessário algum tipo de cadastro pelo produtor rural? Em que órgão?

A Lei de Bioinsumos tem a previsão de cadastramento das unidades de produção de bioinsumos junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária, o que permitirá que o Poder Público saiba onde e o que está sendo produzido pelos agricultores. Também é outro exemplo de tema que será detalhado na regulamentação.

Recentemente, a ABBINS lançou a campanha “Eu confio no On Farm”.
Qual é o objetivo desta campanha?

A ABBINS lançou essa campanha no segundo semestre do ano passado com o objetivo de promover a importância e a segurança da produção de bioinsumos para uso próprio (conhecida como produção on farm), com vídeos mostrando agricultores produzindo seus bioinsumos e falando diretamente ao público e aos parlamentares sobre essa prática. Foi um período em que a continuidade da produção on farm estava sendo ameaçada pela Lei de Agrotóxicos. A nova Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 14.785, de 2023) passaria a ser exigida a partir da última semana de dezembro de 2024 e determinaria que os agricultores registrassem a produção de bioinsumos para uso próprio como se fossem indústrias, inclusive os agricultores da agricultura orgânica. Seria um desastre. Era então necessário sensibilizar o Congresso Nacional não apenas para a urgência de uma Lei de Bioinsumos, mas também para a correção de equívocos contidos na nova Lei de Agrotóxicos. Certamente, a campanha ajudou nesse processo. A Lei dos Bioinsumos foi aprovada em tempo e o artigo 40 desta Lei é dedicado à correção de equívocos contidos na Lei dos Agrotóxicos.

Em sua opinião, quais serão os principais impactos dessa legislação para produtores, consumidores e para o país?

É uma lei histórica para a agropecuária brasileira. O incentivo à inovação empresarial no Brasil, a promoção da descentralização da produção de insumos agropecuários e a preparação de um ambiente que coloca o Brasil como um potencial grande exportador de bioinsumos são impactos decorrentes da aprovação da Lei. Além disso, ela chega para complementar o caminho normativo necessário ao florescimento de insumos que são fundamentais para a agricultura regenerativa. No Brasil, já existia a Lei de Cultivares, que é importante para o desenvolvimento de variedades de plantas de cobertura e a Lei dos Remineralizadores, que permite o aproveitamento de recursos naturais abundantes no Brasil para melhorar a qualidade nutricional dos solos agropecuários. Faltava uma Lei para os bioinsumos. Com sua publicação, o caminho normativo para as plantas de cobertura, para os remineralizadores e para o uso de bioinsumos, que são insumos fundamentais para a agricultura regenerativa, está pavimentado.

Poderia citar algum caso de sucesso relevante no uso de biológicos no Brasil?

Além do uso de inoculantes na cultura da soja, temos o controle de pragas e doenças na fruticultura brasileira. Uma das indústrias associadas à ABBINS tem sua origem vinculada à necessidade de adoção do uso de bioinsumos na produção de melão no nordeste brasileiro. A prática deu tão certo que a empresa, antes dedicada apenas à produção de melão, transformou sua divisão de produção de bioinsumos para uso próprio em uma indústria de bioinsumos, em grande medida dedicada ao atendimento de agricultores que fizeram a opção pela produção para uso próprio. Também temos outros tipos de casos de sucesso, que são a descentralização da produção de insumos, o fomento da economia regional e a abertura de empregos especializados no interior do Brasil. As indústrias associadas à ABBINS observam que a produção on farm à qual elas estão vinculadas gera centenas de empregos espalhados em fazendas pelo Brasil, a maioria empregos especializados, que são ocupados em grande medida por mulheres com formação na área da biologia. Isso é maravilhoso!

Com a nova Lei aprovada, como o senhor vê o desenvolvimento da produção e uso dos bioinsumos nos próximos anos? E em que medida essa lei vai abrir portas para o crescimento da agricultura de base regenerativa?

Acredito que, com a segurança jurídica ofertada pela Lei dos Bioinsumos e pelo fato de que os agricultores brasileiros estão adotando o uso de biológicos de forma intensiva, parte da grande imprensa e até mesmo da academia, que antes estavam muito vinculadas ao universo dos produtos químicos, dedicarão maior espaço aos biológicos. Isso certamente destravará o debate sobre a relevância e benefícios da agropecuária regenerativa tropical para o Brasil. Inclusive, deverá fomentar pesquisas e um debate absolutamente necessário no campo da qualidade nutricional dos alimentos.

Considerando que a COP30, que ocorrerá no Brasil em novembro, tem como objetivo discutir estratégias globais para enfrentar as mudanças climáticas, como os bioinsumos podem contribuir para os compromissos ambientais a serem assumidos durante a conferência? De que forma a ABBINS pretende participar ou influenciar as discussões sobre o papel dos bioinsumos na mitigação dos impactos climáticos?

A prática da agropecuária regenerativa, da qual os bioinsumos constituem um de seus pilares, é uma ferramenta fundamental para a proteção da biodiversidade, para a redução de emissões pela agropecuária e para o sequestro de carbono no solo. Trabalharemos para divulgar o que o Brasil já está fazendo e mostrar o potencial de crescimento que temos para a agropecuária regenerativa em nosso território. A COP30 é uma grande oportunidade para a agropecuária e para a agroindústria do Brasil eliminar alguns mitos que prejudicam a imagem da produção brasileira.

Quais ações a ABBINS está planejando para esse ano de 2025?

A regulamentação da Lei dos Bioinsumos é prioridade total. A elaboração de um conceito de agricultura regenerativa tropical também é prioridade. O diálogo com as universidades e escolas agrícolas, uma maior interação com as instituições de fomento como CNPq e FAPESP, o incentivo à bioprospecção e um relacionamento mais próximo com a indústria dos remineralizadores, de sementes de cobertura e de máquinas agrícolas são temas que caminharão juntos em 2025. Tudo sem perder a orientação básica das ações da ABBINS, que é a construção e manutenção de parcerias ganha/ganha abrangentes entre indústrias, agricultores, consumidores e meio ambiente.

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