O professor Bernardo Knapik é um dos pioneiros na pesquisa e aplicação da técnica de rochagem no Brasil. Foi um dos primeiros a sugerir que os agricultores familiares da região do Contestado, na divisa entre os estados de Santa Catarina e Paraná, utilizassem pós de rocha para melhorar a fertilidade do solo. Sua trajetória acadêmica e prática é marcada por décadas de dedicação à agricultura sustentável, especialmente na região Sul do país.
Formado em Biologia, atuou como professor na Universidade Estadual do Paraná (Unespar), antiga FAFI, onde iniciou seus estudos sobre Rochagem. Mais tarde, ainda na década de 1980, aprofundou suas pesquisas na pós-graduação realizada na Universidade Regional de Blumenau (FURB). Pode-se supor que seus estudos sejam frutos da inspiração e de observações iniciadas no ambiente familiar, onde seu pai mostrava, de forma empírica, que solos derivados de rochas mais próximas da superfície, ou expostas eram mais férteis, porque ainda continham minerais ricos em fósforo, potássio, cálcio e com pH mais elevado.
Para que a pesquisa saísse do âmbito acadêmico e atingisse o agricultor, o professor Bernardo implementou a técnica de rochagem em sua propriedade em Porto União, Santa Catarina. Sua curiosidade e capacidade criativa o tornaram uma espécie de “professor pardal” da rochagem. Começou inventando um moinho movido a água, para facilitar a cominuição das rochas em sua propriedade. Daí para frente, inventou ou adaptou máquinas, equipamentos e ferramentas para moer rocha. O moinho deu tão certo que chegava a moer 700 kg de rocha por dia. De posse de um material finamente granulado, o professor Bernardo iniciou o cultivo de várias espécies agrícolas. Foi neste tempo que eu o conheci. Pude presenciar e experimentar a qualidade e o sabor dos morangos produzidos com pó de basalto. Os testes funcionaram tão bem que os agricultores da região, incentivados pela Organização Não-Governamental AS-PTA, passaram a usar o pó de rocha do professor Knapik em diferentes culturas. Todos observavam que o desenvolvimento e a qualidade das plantas melhoravam a olhos vistos. Desde então, testes do conteúdo nutricional das plantas adubadas com o pó de rocha indicado pelo professor, continham melhores teores de nutrientes. Em 2014, por exemplo, foram realizadas análises em cebolas cultivadas com pó de rocha e os resultados foram surpreendentes: foram observadas concentrações significativamente maiores de nutrientes, como zinco, cálcio e magnésio, em comparação com métodos convencionais.
Após mais de 40 anos perseguindo essa certeza, confirmadas por meio de experimentos e práticas, em janeiro de 2022, lançou o livro “Rochagem: Pensamentos, Experiências e Perspectivas para uma Agricultura Sustentável”, editado pela Editora Vozes. Nesse livro, ele conta histórias e apresenta alguns resultados de suas pesquisas e experiências práticas, oferecendo orientações para agricultores e consultores sobre o uso de pós de rocha na agricultura.

Minha aproximação com o professor Bernardo deve-se à sua filha, Juliane Knapik. Em 2004, durante a realização do Primeiro Evento Rocks for Crops, realizado em Brasília, Juliane contou que seu pai era um apaixonado pela técnica da rochagem e que ela estava no evento por incentivo dele, que havia ficado muito feliz ao saber que a revista Super Interessante havia premiado uma pesquisa da UnB, que mostrava os benefícios do uso de rochas moídas para fertilizar a terra com a própria terra. Nosso encontro aconteceu em seguida, a partir de um convite da AS-PTA para que eu fosse falar da minha pesquisa, que havia ganhado o prêmio da revista Super Interessante. Desde então, tenho encontrado o professor Knapik, que tem participado dos eventos de rochagem no Brasil (todos os Congressos), seminários e dias de campo com agricultores. A cada encontro, a alegria de vê-lo se renova. Ele é um cientista inspirador, sempre buscando novas maneiras de entender a intrincada, mas indiscutível, magia da dissolução dos minerais no solo.
A aprovação da legislação que inseriu os remineralizadores como um insumo agrícola foi comemorada como uma grande vitória por este cientista-inventor. A nova Lei (12.280/2013) que inseriu os pós de rochas silicáticas (remineralizadores) como um insumo agrícola, mostrou que ele estava certo. A edição dessa Lei também foi um reconhecimento à sua persistência, assim como de outros pesquisadores, como Othon Leonardos (UnB) e Solon Barreto (Mibasa). Até hoje, o professor Bernardo Knapik é uma das vozes mais importantes deste segmento no Brasil e ele frequentemente menciona que o país possui reservas de rochas abundantes e adequadas para remineralizar os solos degradados ou empobrecidos quimicamente e que o uso de tais insumos reduzirá a dependência de fertilizantes importados, além de promover uma agricultura mais sustentável, garantindo também uma melhor qualidade nutricional dos alimentos produzidos.
ENTREVISTA
Concedida a Suzi Huff Theodoro
Como o senhor iniciou a pesquisa e testes empíricos com rochas moídas?
A minha pesquisa com rochas começou lá na infância, na década de 1950, com a observação do meu pai que dizia que na montanha o solo é mais fértil. Lembro que, naquela época, ainda não se conhecia, ainda, o fertilizante NPK. Fazendo o segundo grau científico, o geólogo Bigarela me incentivou e orientou para as futuras pesquisas, sempre relacionadas ao solo e suas interações com as rochas. Pode-se dizer que compreendi claramente que a fertilidade do solo está diretamente vinculada à presença de rochas. Lembro especialmente de uma parcela da terra da minha família que, quando arada, era possível ver um solo mais avermelhado, com presença de algumas pedras e, justamente nesta área, era colhido o melhor arroz.
Ao longo desses mais de 40 anos, o que mudou na agricultura, tornando possível o uso de rochas moídas?
Não havendo publicações sobre uso de pó de rocha, a revolução verde com o NPK foi a única solução para aumento da produção. E realmente funcionou. Mas, aumentaram também problemas de sanidade nas plantas. Daí surgiram outras soluções para combater os problemas que resultaram em novos problemas: os agrotóxicos. Contudo, os efeitos colaterais aumentaram e, desta feita, nos humanos que se alimentam das plantas manejadas com esses produtos: mais doenças e sobrepeso nos seres humanos.
Neste contexto, abrem-se novas perspectivas para alternativas de agricultura, como cultivo orgânico. A falta ou desequilíbrio do conteúdo nutricional da nossa comida induz à reflexão sobre como está o solo. Com as diferentes formulações e dosagens de NPK, estamos em presença de uma desnutrição incipiente. São repostos apenas alguns poucos elementos ao solo que são muito solúveis.
Pode-se usar a reflexão popular que afirma que nenhum médico consegue curar uma doença se faltam os minerais essenciais e benéficos no organismo. E isso deve nos levar a reflexões de como melhorar o solo. A partir de 1970, a Organização das Nações Unidas declara: “A maneira como o mundo cultiva terá que mudar radicalmente”. Carlos Armênio Khatounia, no seu livro “A reconstrução ecológica da agricultura”, afirma que, em tempos geológicos, todos os solos férteis se transformarão em solos pobres, mas este processo é muito lento, de forma que as gerações não percebem este processo. A entropia é a lei da natureza. Precisa de uma fonte de energia para continuar se movimentando. Embalando uma roda solta, presa apenas num fino eixo, parando de imprimir uma força, ela continua girando por algum tempo, mas um dia irá parar. Solo que não recebe minerais fica improdutivo. Na natureza, a reposição é feita pela rocha mãe, em um processo bem lento.
Em condições normais de intemperismo de uma rocha, com a dissolução de minerais, leva cerca de 1000 anos para degradar uma espessura de 1 cm³. Ao longo da minha vida, tenho me perguntado: Podemos acelerar esse processo? Certamente sim. Ao pulverizar as rochas, ocorre o aumento da área de superfície acessível dos minerais por unidade de massa/volume, facilitando o contato dos minerais com agentes (químicos ou biológicos) que ampliam a solubilização dos nutrientes. Assim, ao pulverizar e espalhar no solo, 1 cm³ pode ser transformado em mil milímetros cúbicos. Mil anos são reduzidos para um ano. Assim, teremos no solo todos os elementos químicos da tabela periódica. Estamos criando um solo novo. O povo hunza, do Tibet, é testemunha de longevidade e ausência de doenças. John Robbins, no seu livro “Saudável aos 100 anos”, afirma que a magnífica saúde dos hunzas se deve ao modo de, como seus alimentos são cultivados: “Tenho certeza de que o pó de pedra pulverizado que flui para sua terra é um fator significativo para os excelentes resultados obtidos pelos hunzas.” Esses conhecimentos ajudam a direcionar a agricultura para um novo paradigma.
Quais desafios o senhor enfrentou?
Não gosto de salientar as dificuldades, mas posso mencionar que a formação convencional acadêmica dos agrônomos e técnicos agrícolas foi um entrave. Também as cooperativas têm dificuldades em incorporar inovações. Mas, particularmente lembro de um caso que ocorreu ainda na década de 1980. Meus experimentos e conhecimentos já mostravam que os minerais podem sustentar e alimentar as plantas. Porém, ficava a pergunta de como executar a moagem das rochas na granulometria adequada. O dono de uma pedreira, em atividade perto de minha casa, achava que essa ideia era economicamente inviável e que os agricultores não iriam aderir a essa proposta. Todos tiram as pedras da lavoura. Quem iria querer adicionar novas pedras?
Não desisti. Foi nesta época que, baseando-me nos processos da natureza, idealizei um moinho movido a água. Compreendi que, à semelhança do processo de transporte de gelo, rochas e sedimentos feito pelas geleiras, o choque entre rochas de tamanhos diferentes provocaria a cominuição das menores e mais angulosas, resultando na formação de uma porção mais fina. Foi nessa perspectiva que idealizei o moinho para moer pedras, onde um recipiente fechado, contendo blocos de rochas de diferentes tamanhos, submetidos ao atrito dado pelo fluxo de água no moinho, acabaria por desgastar as porções menores ou as mais angulosas, triturando-as até virar pó. Diferentemente do processo presente nas geleiras, onde a água é o fluido que provoca o movimento dos materiais, no projeto que implementei, a água foi o agente que movimentou o moinho, fazendo-o girar, mas sem contato com as rochas. Após obter uma certa quantidade de pó, eu o apliquei nas minhas hortas e o resultado chamou a atenção dos agricultores. Foi assim que o processo de rochagem foi iniciado na região do Contestado.
Por que o uso de insumos disponíveis, local ou regionalmente, pode tornar a agricultura mais sustentável?
Importar adubos não é sustentável para o país, também pegar insumos de outras regiões não é viável. O frete encarece os insumos. Há necessidade de pesquisar melhor as disponibilidades de produzir insumos na região. Ainda que muito se conheça acerca da geodiversidade das rochas nas diferentes regiões do país, penso que conhecemos muito pouco sobre diversidade de rochas aptas em cada região para uso na agricultura. Mas, isso está mudando rapidamente, porque o interesse em remineralizadores tem aumentado a cada ano.
Como os remineralizadores fortalecem as práticas agroecológicas?
Rochagem é uma atividade ecológica. Não há alterações químicas no processo. É simplesmente a pedra moída que facilita a oferta de nutrientes aos solos. A rochagem converte-se, assim, em uma ferramenta que facilita a incorporação de nutrientes minerais no solo, alterando uma série de indicadores importantes para a obtenção de produtividades satisfatórias.
Na sua opinião, a legislação em vigor sobre os remineralizadores é adequada? O que poderia aprimorar as normas legais?
A legislação em vigor favoreceu o uso de pó de rocha. E essa é uma grande conquista do nosso país. Considerando que somos um país continental, extremamente geodiverso, existe uma infinidade de rochas nas diferentes regiões que poderão facilitar o uso regional e desenvolver mercados locais. Mas, conforme determinado na legislação, é necessário fazer as análises e testes agronômicos para averiguar a aptidão das diferentes rochas. Esses procedimentos asseguram o uso correto desse grande potencial brasileiro.
Na sua opinião, como o uso de remineralizadores pode contribuir para ampliar a qualidade dos produtos (em especial no que se refere ao conteúdo nutricional)?
Isso melhora a segurança alimentar?
A qualidade dos produtos deveria ser a primeira preocupação. É fácil constatar a perda nutricional no cultivo com insumos químicos, comparando ao cultivo com pó de rocha. Em 2020, acompanhei uma pesquisa em Ijuí, no Rio Grande do Sul, no cultivo de soja. A análise laboratorial comparando o sistema de cultivo convencional com o cultivo com pó de rocha, indicou um aumento dos parâmetros analisados: 2% a mais de cálcio, 141% a mais de ferro, 6% a mais de magnésio, 40% a mais de potássio e 130% a mais de zinco, indicando uma melhoria significativa no teor nutricional da soja no cultivo com pó de rocha.
Se tivermos um alimento rico nutricionalmente, não iremos precisar repor com suplementos! É bom lembrar que, cultivando nesse novo paradigma, numa agricultura regenerativa com insumos naturais, não há perda de produtividade, pelo contrário, aumenta a produção. E por que a adesão é tão lenta? Talvez seja o medo do novo. Talvez sejam os interesses econômicos, nem sempre visíveis. Talvez… Cultivar qualidade com insumos próprios vai ao encontro da segurança alimentar.
Qual o futuro que o senhor prevê para o uso de remineralizadores no Brasil? Limitações e oportunidades.
O caminho para a rochagem está aberto. Basta constatar a maior qualidade nutricional dos alimentos. A ganância também pode ser um limitador, seja de agricultores, seja de empresários do setor mineral. Mas outra crise de acesso a fertilizantes solúveis pode nos salvar do desabastecimento de nutrientes derivados dos insumos importados. A rochagem representa um novo paradigma e é um caminho libertador e saudável para todos. Povo bem nutrido é mais feliz e equilibrado. Se a qualidade do alimento for remunerada diferentemente, certamente haveria uma adesão maior para a rochagem. Temos que ter a coragem de abraçar essa causa. Que oportunidade boa. A pesquisa dos remineralizadores vai bem, mas é necessário ampliá-la, apoiá-la para que ocupem novos espaços de inovação. Será que há outras rochas que não são utilizadas para fazer brita, mas que poderiam servir para a agricultura?
Por curiosidade, mandei analisar uma rocha quase toda degradada de origem basáltica. Tem mais de 2% de fósforo, 3% de magnésio, 40% de silício e outros minerais. Deve ser muito solúvel, sendo bastante mole e boa para triturar. Aqui na região sul, nos cortes de estradas rurais, tem vários afloramentos. Trata-se do saprolito, derivado da alteração dos basaltos. Que tal testar e utilizar este tipo de material para agricultura? Eu já estou fazendo testes em canteiros da horta da minha casa e afirmo que os resultados são fantásticos!
