V Congresso Brasileiro de Rochagem: um encontro entre ciênciae tradição que se propôs a revolucionara agricultura brasileira

Autor: Antônio Carlos de Azevedo e Suzi Huff Theodoro

Na primeira semana de julho, a prestigiada Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP), em Piracicaba, São Paulo, nas dependências do PECEGE, tornou-se o epicentro do debate sobre um dos temas mais promissores e estratégicos para o futuro da agropecuária nacional: o uso dos remineralizadores. A instituição sediou, com grande sucesso, o V Congresso Brasileiro de Rochagem (V CBR), reunindo os maiores especialistas brasileiros e internacionais, além de agricultores, estudantes, técnicos e representantes do setor produtivo e financeiro. Foram 282 participantes e 142 trabalhos apresentados na forma oral ou em pôsteres, além de palestras técnicas.

Com foco em segurança alimentar e nutricional e nos processos de descarbonização das atividades produtivas (mineral e agropecuária), de forma a contribuir para que o país atenda parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU, o evento transcendeu o caráter acadêmico para se firmar como um espaço de diálogo prático e multissetorial. O congresso deixou claro que a técnica de incorporar rochas moídas ao solo – a remineralização – deixou de ser uma prática alternativa e marginal para se consolidar como uma tecnologia agrícola vital, alinhada aos pilares da sustentabilidade, resiliência climática e soberania nacional.

Ao longo dos dias do evento, foram apresentadas diversas perspectivas sobre o uso dos remineralizadores, seus benefícios, conquistas e pontos a avançar. Durante o congresso, foi possível conhecer pesquisas em desenvolvimento por diferentes grupos e instituições, com foco em combinar os Reminera-lizadores de Solo (REM) a fontes orgânicas, manejos e soluções locais, para distintos agroecossistemas. As palestras, apresentadas por pesquisadores e referências no tema, destacaram a história da rochagem e o grande salto do conhecimento e das práticas implementadas ao longo dos últimos anos.

Dentre as apresentações no V CBR, vários benefícios cruciais da rochagem foram destacados:

  1. Fertilidade do solo e liberação nutricional: as rochas, quando moídas em pó, podem liberar lentamente no solo uma gama diversificada de macro e micronutrientes essenciais para as plantas, como potássio, cálcio, magnésio, fósforo, ferro, manganês e silício. Essa liberação gradual é uma vantagem significativa, pois reduz as perdas por lixiviação e fornece nutrientes de forma constante, melhorando a eficiência nutricional das culturas a longo prazo.
  2. Recuperação de solos degradados: a técnica se mostrou extremamente eficaz na revitalização de áreas empobrecidas, contribuindo para a recomposição da matéria orgânica, o aumento da capacidade de troca catiônica (CTC) e a correção da acidez do solo.
  3. Sequestro de carbono: um dos temas de maior destaque foi o papel dos remineralizadores no enfrentamento das mudanças climáticas. Foi demonstrado que determinados tipos de REM, ao interagirem quimicamente com o CO₂ da atmosfera durante o processo de intemperismo, são capazes de capturar e sequestrar carbono de forma natural e permanente, posicionando a agricultura brasileira como parte da solução para a crise climática.
  4. Soberania e redução de importações: os benefícios e resultados produtivos de vários testes agronômicos evidenciaram que a dependência do Brasil, no que se refere à importação de fertilizantes solúveis, está em processo de redução, o que, em certa medida, atende o que foi previsto no Plano Nacional de Fertilizantes (2022-2050). Vários trabalhos enfatizaram que o território nacional é abundantemente rico em diversas rochas potencialmente utilizáveis como REM. Explorar esse potencial significa reduzir drasticamente a dependência externa, gerar empregos e movimentar economias locais.
  5. Sinergia com a agricultura regenerativa: os remineralizadores, juntamente com outras práticas de manejo, como o Plantio Direto, a integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) e o uso de bioinsumos, compõem rotas tecnológicas importantes para a soberania agrícola do país. Juntas, essas técnicas formam um pacote tecnológico robusto para uma produção de alimentos verdadeiramente sustentável.

Ao longo das atividades do V CBR, foram realizadas ações de formação, discussões e práticas sobre o uso de remineralizadores. Na véspera do evento, o curso de formação “Agrominerais silicáticos: uma abordagem prática”, que contou com 55 inscritos, foi ministrado pelas pesquisadoras Andrea Sander e Magda Bergmann, do Serviço Geológico do Brasil (SGB), e pelo pesquisador Carlos Augusto Posser da Silveira, da Embrapa Clima Temperado, mostrando diversas abordagens sobre o uso dos REM.

Outra atividade realizada paralelamente ao Congresso foi o debate sobre a legislação dos Remineralizadores de Solo, com ênfase nas condicionantes estabelecidas pela IN 05/2016. O debate foi conduzido pelos pesquisadores Suzi Huff Theodoro (UnB) e Éder Martins (CPAC-EMBRAPA), e contou com cerca de 120 representantes de instituições de pesquisa, empresas de mineração, fabricantes de máquinas e equipamentos, consultores e estudantes. A atualização dessa norma é uma demanda do setor, que identifica a necessidade de redefinir padrões e garantias, incorporando os avanços alcançados pela pesquisa e pelo uso destes materiais desde a publicação das normas, há aproximadamente uma década.

No último dia do congresso, houve uma viagem de campo à pedreira Diamante, onde cerca de 80 participantes puderam conhecer o processo de extração e beneficiamento de um remineralizador, desde a frente de lavra até o produto final. Como parte das atividades previstas naquele dia, ainda foi possível conhecer as atividades da empresa InPlanet, por meio de um tour em campo, demonstrando o processo de monitoramento do CO2 capturado no solo.

Outro ponto de destaque do evento foi a participação de grandes referências no tema, que foram, inclusive, homenageados nessa edição do Congresso. Trata-se dos pesquisadores Othon Leonardos, David Manning e Peter van Straaten, presentes em todas as cinco edições do CBR. Seu legado continua a expandir-se por meio da atuação de vários pesquisadores brasileiros, ao longo de mais de duas décadas de iniciativas voltadas à pesquisa em rochagem.

A escolha da ESALQ para sediar o evento não foi casual. Como uma das instituições de ciências agrárias mais renomadas da América Latina, a escola traz uma credibilidade científica fundamental para validar e avançar nas pesquisas sobre rochagem. A realização do V CBR em suas dependências simboliza a incorporação definitiva dessa prática ao mainstream da agricultura brasileira, atraindo a atenção de novos pesquisadores e consolidando uma rede nacional de estudos sobre o tema. Além disso, o grupo de pesquisa da ESALQ, comandado pelo professor Antônio Azevedo, tem se destacado no Brasil por suas pesquisas com remineralizadores.

O V Congresso Brasileiro de Rochagem encerrou suas atividades não como um ponto final, mas como o marco de um novo começo. O evento gerou um documento nomeado Carta do V CBR, onde solicita que a diretoria da Embrapa manifeste-se sobre uma nota técnica que questiona a efetividade dos REM como uma prática agrícola que beneficie a agricultura. Também incentivou a criação de novos projetos de pesquisa e fortaleceu a rede de colaboração entre academia, setor produtivo, governo e empresas de financiamento.

O consenso entre os participantes é de que o caminho a seguir exige investimentos contínuos em pesquisa para mapear e caracterizar novas jazidas, aprimorar normas técnicas claras para a comercialização dos remineralizadores e criar programas de incentivo para os agricultores adotarem a técnica.

O V CBR deixou uma mensagem clara: a rochagem é mais do que uma rota tecnológica para a agricultura – é uma ponte entre o conhecimento tradicional e a inovação científica, uma ferramenta poderosa para refundar a agricultura brasileira sob perspectivas que combinem produtividade, resiliência e cuidados ambientais, segundo padrões mais responsáveis. O solo remineralizado é, portanto, a base fértil sobre a qual se pode edificar a próxima fronteira da agricultura nacional, seja ela empresarial, familiar, agroecológica ou intensiva.

Saiba mais: abrefen.org.br
Fotos: arquivos ABREFEN

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