A busca por soluções nacionais que assegurem a segurança da cadeia produtiva de alimentos e a independência de fertilizantes importados pelo Brasil nunca foi tão urgente. Nesse contexto, os Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais estão assumindo um papel central, ao passo em que transformam a agricultura brasileira e criam novas oportunidades para a indústria mineral. Para falar sobre esse assunto, a Novo Solo conversou com o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Raul Jungmann. Na entrevista a seguir, ele compartilha sua visão sobre como a mineração pode contribuir para a soberania do agronegócio e aponta caminhos para estimular a inovação e consolidar o protagonismo do Brasil na produção de alimentos e minerais estratégicos.
Entrevista:
O cenário macroeconômico e geopolítico atual expõe a vulnerabilidade do Brasil na cadeia de insumos agrícolas, com alta dependência de importação. Como o Senhor avalia os riscos e as oportunidades para o país neste contexto, considerando a vocação do setor mineral em fornecer matérias-primas e produtos essenciais para a agricultura?
O principal risco está relacionado à dependência brasileira em fertilizantes. A guerra entre Rússia e Ucrânia expôs essa fragilidade: o Brasil depende de mais de 80% de fertilizantes importados para a produção agrícola nacional, e isso representa um risco à garantia de suprimento desse insumo. Há muitos anos, o IBRAM tem alertado as autoridades brasileiras para a necessidade de o país ampliar a pesquisa geológica para localizar reservas e jazidas economicamente viáveis dos minérios utilizados na fabricação de fertilizantes. Mais recentemente, o IBRAM produziu um estudo técnico contendo sugestões de como uma política pública robusta poderia vir a estimular a produção de minerais críticos e estratégicos, caso dos que compõem os fertilizantes. Este estudo inspirou a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável a apresentar à Câmara dos Deputados o projeto de lei nº 2780/2024, que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos. É um projeto que os segmentos interessados no tema dos fertilizantes e do agronegócio devem acompanhar e participar das discussões no Congresso.
Esta política pública, na avaliação do IBRAM, pode se somar a outras, como o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), e efetivar um avanço de nosso país nessa estratégia de minimizar a exposição ao risco da dependência externa.
Além disso, a política pública abrangente defendida pelo IBRAM entende que ela poderá avaliar novas providências para expandir a produção e fornecimento dos remineralizadores de solo por parte das mineradoras. Além da extração de minérios propriamente dita, há o aproveitamento econômico de rejeitos da mineração, que podem ser direcionados a enriquecer o solo.
O Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) é fundamental para reduzir a dependência de importações e fomentar a produção nacional de insumos. Como garantir a execução desse plano de forma a fortalecê-lo e torná-lo um mecanismo que alavancará o desenvolvimento e a soberania do Brasil?
O Plano Nacional de Fertilizantes 2023-2050 projeta reduzir a 50% a dependência brasileira em fertilizantes. Houve tentativas anteriores para o Brasil dinamizar a produção de fertilizantes. Mas, em termos econômicos, vimos que a importação acabou sendo privilegiada, causando um cenário em que plantas industriais foram enxugadas ou paralisadas. As unidades da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados em Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE) foram arrendadas a uma empresa em 2019 por 10 anos, mas o modelo de parceria foi encerrado em 2024. E uma unidade de fabricação no Paraná foi encerrada em 2020, durante a pandemia.
É preciso recuperar esta capacidade instalada, e a Petrobras, por exemplo, age nesse sentido: com quatro fábricas em produção, projeta-se que essas unidades poderão abastecer até 35% da demanda nacional por ureia até 2028.
A expansão da capacidade brasileira de produzir tanto minérios quanto o produto final (fertilizantes) pode ser motivada por meio de incentivos fiscais, já que a pujança do agronegócio, a crescente demanda por minérios e por alimentos são garantias de que a concessão de incentivos será devidamente compensada e com os benefícios de atrair investimentos, criar empregos e gerar renda. É necessário manter isonomia tributária entre fertilizantes nacionais e importados, além da ampliação do conhecimento geológico, vista como essencial para atrair investimentos.
O desenvolvimento da cadeia de insumos emergentes, previsto no PNF, em que estão inseridos os Remineralizadores de Solo (REM) e Fertilizantes Naturais (FN), é estratégico para aumentar a oferta de insumos nacionais. Como o IBRAM e a ABREFEN podem trabalhar de forma colaborativa para dar escala e projeção ao setor mineral, facilitando o alcance de mais autonomia e sustentabilidade para o agronegócio brasileiro?
A produção mineral e a do agronegócio são muito conectadas no Brasil e mantêm uma relação de interdependência que requer compreensão e é reconhecida nos detalhes. Essa conexão é fundamental para o presente e o futuro de nossa sociedade, e foi graças a essa relação entre mineração e sociedade que evoluímos até os dias de hoje. Minerais e alimentos são cruciais para o progresso da vida humana, com qualidade, saúde e expectativa maior de vida. Com base nessa realidade, ambas as instituições podem atuar de forma conjunta na busca pela aprovação das políticas que estabeleçam incentivos fiscais e investimentos para a mineração de agrominerais, além de promover maior conexão entre o setor de mineração e o agronegócio, principalmente para pesquisa e desenvolvimento dessa cadeia de fertilizantes e insumos emergentes.
O Brasil é um país megageodiverso, extremamente rico em rochas silicáticas, com elevado potencial para a produção de REM e FN. Como o IBRAM enxerga a importância de desenvolver cadeias de produção regionalizadas, capazes de otimizar a logística e assegurar a oferta desses insumos em diferentes biomas e sistemas produtivos agrícolas, contribuindo para o desenvolvimento local e regional?
O IBRAM constata que diversos segmentos minerais devem ser favorecidos por incentivos e investimentos em cadeias de produção regionalizadas, principalmente devido aos custos logísticos, que apenas viabilizam a produção para entrega final em distâncias reduzidas. Isso é ainda mais evidente quando temos mineração e produção agrícola juntos. Além da logística, as características de solo, vegetação e recursos hídricos são variáveis interferentes na aplicação de soluções, que se tornam mais viáveis quando existe compatibilidade dessas características com os biomas e sistemas produtivos agrícolas.
Com as metas de remoção de carbono estabelecidas no Acordo de Paris e com a vocação do Brasil, que se mostra um player importante no processo de sequestro global via Intemperismo Aprimorado de Rochas (ERW), por meio do uso dos REM em solos tropicais, é fundamental considerar a importância de uma agenda estratégica conjunta entre os setores mineral e agrícola. Qual seria, na sua opinião, a importância de se estabelecer uma agenda estratégica conjunta entre os setores mineral e agrícola para concretizar essa vocação?
O IBRAM avalia positivamente agendas conjuntas com outros setores econômicos, ainda mais que os minérios estão na base de quase tudo o que se produz. Sem a oferta de minérios, isto é, sem segurança mineral, um país não consegue promover a transição energética, imperativa a todos os países, visto que somos prejudicados cada vez mais pelas mudanças climáticas. E, como já pontuado, os minérios são essenciais para multiplicar a produção do agronegócio.
A ABREFEN está defendendo o Intemperismo Acelerado de Rocha ERW na Câmara Temática de Agrocarbono Sustentável. Como o IBRAM pode impulsionar essa tecnologia e qual a sua relevância para as discussões e resultados esperados da COP 30, que ocorrerá em breve aqui no Brasil?
O IBRAM poderá apoiar as pesquisas e fomentar essa tecnologia junto às suas associadas.
Qual a importância de se criar um ambiente regulatório e de incentivos fiscais que acelerem a adoção e produção em larga escala de REM e FN?
Continuamente, a iniciativa privada da mineração lida com novidades em seu ambiente regulatório e jurídico, somado ao volume de legislações que versam sobre o mesmo tema, notadamente nos campos ambiental e tributário, causando a adição de burocracia e complexidade à atividade e aos órgãos públicos envolvidos na fiscalização e acompanhamento das atividades do setor. Embora tenhamos construído nos últimos anos um ambiente regulatório rígido e atualizado, principalmente nos aspectos ambientais, ainda é necessário construir uma esfera mais estável, clara e objetiva juridicamente.
Temos um licenciamento ambiental lento, burocrático, complexo e antigo, sem reflexos mensuráveis em ganhos na proteção ambiental. Temos nossa competitividade internacional reduzida significativamente pela lentidão e complexidade no processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos de mineração. Muito mais rapidamente, outros países conseguem responder às demandas e atualizações de seus projetos e investimentos e início de produção. Assim, posicionam-se melhor nos rankings de atração de investimentos, e sempre ficamos defasados nessa disputa. A importância de se criar um ambiente regulatório estável e seguro está exatamente na eliminação desses impactos negativos listados.
De que forma o IBRAM pode atuar para impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico no setor mineral, visando, particularmente, a otimização da produção de REM e FN e seu uso
na agricultura?
O IBRAM já tem atuado na temática e continuará atuando: publicamos guias de circularidade e temos grupos de trabalho e fóruns técnicos que discutem exclusivamente o desenvolvimento de aplicações para diversos produtos e coprodutos minerais, fomentando entre suas associadas e todo o setor mineral a pesquisa e o desenvolvimento científico. Diversas soluções já foram compartilhadas, além das publicações.
O conceito de economia circular ganha cada vez mais relevância. De que forma e quais mecanismos o IBRAM poderia incentivar para que o setor mineral passe a explorar também o imenso potencial dado pelos subprodutos gerados pela atividade mineral, que podem, se atenderem às normas estabelecidas (IN 05/2026), serem utilizados para a produção de REM e FN, transformando-os em ativos para a agricultura e promovendo uma mineração mais sustentável?
Como mencionado, mantemos grupos de trabalho e fóruns técnicos focados no desenvolvimento de aplicações para diversos produtos e coprodutos minerais, fomentando a pesquisa e o desenvolvimento científico para novas aplicações e novos produtos. O IBRAM também atua fortemente no pleito de políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento da mineração no Brasil, principalmente para os minerais críticos e estratégicos. E, ainda, nos relacionados à superação dos desafios estruturais, que permeiam toda a atividade no país, como falta de estrutura de agências regulatórias, principalmente da Agência Nacional de Mineração (ANM); necessidade de ampliação da pesquisa geológica no país e de desburocratização nos regimes de licenciamento; medidas que ampliam a insegurança jurídica; e criação e desenvolvimento de regimes especiais de incentivos fiscais para alguns casos, como os agrominerais.
A EXPOSIBRAM, reconhecida como o principal hub da mineração na América Latina, sediará uma importante palestra da ABREFEN sobre o papel estratégico dos REM e FN na agricultura sustentável e na agenda climática. Qual é a estratégia do IBRAM para, ao utilizar essa plataforma, potencializar o debate e as soluções em torno desses insumos e atrair investimentos para o setor?
A EXPOSIBRAM é um dos maiores eventos da mineração do mundo. Reúne autoridades, investidores, empresários, enfim, um público atento aos desafios e oportunidades do setor, bem como às sugestões do que precisa ser feito para o desenvolvimento da atividade no país. Assim, a estratégia é expor nos debates tais oportunidades e travas que precisam ser vencidas. A estratégia é unir os principais atores e tomadores de decisão de modo a firmar compromissos e direcionamentos e agir para que se concretizem, de modo a viabilizar novos investimentos.
Diante de tantos benefícios trazidos pela cadeia dos REM e FN, qual sua visão de futuro para este setor e qual a importância da ABREFEN para fortalecer este segmento no Brasil?
A expectativa é de que a cadeia dos REM e FN cresça cada vez mais com o desenvolvimento de novas pesquisas e novas aplicações, principalmente com a ampliação das pesquisas em coprodutos da mineração. No entanto, o IBRAM acompanha atentamente as ações dos órgãos e agências no movimento de destravar o setor mineral. Sem a dedicação e esforços necessários, principalmente no que tange aos desafios do nosso ambiente jurídico, falta de incentivos fiscais, deficiência no conhecimento geológico, continuaremos sem desenvolvimento e competitividade, causando sérios impactos e ameaças à segurança alimentar brasileira.
Fotos: IBRAM