A trajetória do professor Ruy Caldas é um exemplo de dedicação à pesquisa e na busca por uma agricultura mais sustentável. Nascido em Minas Gerais, em um ambiente de dificuldades, o agrônomo Ruy de Araújo Caldas trilhou um caminho notável, que o levou a se tornar uma das maiores personalidades brasileiras nos estudos de bioquímica vegetal. Sua trajetória, marcada pela superação da doença de Chagas que acometeu sua família e por uma dedicação incansável à pesquisa e à gestão de ciência, tecnologia e inovação, fez com que o professor Caldas se tornasse um dos principais nomes da ciência brasileira.
Com passagens por importantes instituições como a Universidade de Brasília (UnB), onde se aposentou após uma longa carreira, Ruy Caldas sempre foi apaixonado pela terra. “Nasci, estudei e vivi no meio rural até 18 anos de idade e, em 1958 me mudei para o meio urbano para fazer o que se chama hoje de ensino médio. Sempre gostei de cultivar hortaliças e procurei um curso técnico em agronomia para me aperfeiçoar na atividade”, conta o pesquisador.
Na Escola Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV), encontrou sua vocação. “Lá comecei os estudos com o saudoso professor Walter Brune, me encantei pela química, que foi a porta de entrada para a bioquímica”, relembra. Desde então, o professor Caldas acompanhou de perto a evolução dos conceitos de sustentabilidade na agricultura brasileira, desde a época em que a preocupação principal era a sobrevivência e a segurança alimentar, até os avanços científicos e tecnológicos atuais que permitem recuperar a fertilidade dos solos e impulsionar a produção de alimentos em larga escala.
Novo Solo – O senhor teve intensa atividade na formação de novos pesquisadores e na mudança de pensamento dentro das universidades. Como o senhor avalia a evolução dos conceitos de sustentabilidade e a produção de alimentos no Brasil nos últimos anos?
Ruy Caldas – Tive a oportunidade de trabalhar na lavoura na minha juventude, onde não se tinha elaborado o conceito de sustentabilidade. Em todos os rincões do país, se preocupava com a sobrevivência e segurança alimentar da família. Para produzir alimentos, precisava derrubar as matas, queimar todo material vegetal para gerar nutrientes (cinzas) capazes de produzir boas safras por alguns anos. A preocupação com a sustentabilidade não era central na agenda dos produtores rurais.
Atualmente, com os avanços científicos e tecnológicos, conseguimos recuperar a fertilidade de solos pela aplicação de corretivos e nutrientes como os macro e microelementos. Desta forma, não dependemos mais dos nutrientes contidos nas biomassas das florestas. Com a grande revolução científica e tecnológica a partir da criação da Embrapa, o Brasil aprendeu a produzir em solos como na região do cerrado. Têm ocorrido muitos avanços no item sustentabilidade, como plantio direto, controle biológico, fixação biológica de nitrogênio, irrigação e todas as tecnologias de gestão dos diferentes sistemas produtivos. Uma grande evolução em termos tecnológicos e culturais.
Na sua visão, como a agricultura regenerativa pode contribuir para a recuperação de solos degradados e a mitigação das mudanças climáticas?
No conceito de agricultura regenerativa está embutida a visão evolutiva de processos de produção de alimentos em diferentes biomas, com o uso racional do potencial da microbiota do solo e das sinergias com as diferentes espécies vegetais. Nesse ecossistema, abre-se o potencial de redução do emprego de fertilizantes solúveis, contribuindo para a redução da emissão de gases de efeito estufa. Destaco de maneira especial a utilização de agrominerais silicáticos com potencial para retenção do carbono estável no solo.
O atual Plano Nacional de Fertilizantes adotado pelo Brasil destaca a participação dos Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais como estratégicos para a agricultura no país. Qual é sua experiência com esses insumos?
Particularmente, tive a oportunidade de utilizar fertilizantes naturais ainda na década de 1970, quando a Embrapa estava nascendo. Devo ressaltar as visões de dois grandes pesquisadores da Embrapa, Edson Lobato e João Pereira, que me ajudaram a empregar na Fazenda Nova Índia, a partir de 1977, o fosfato natural de Araxá e o gesso oriundo da fábrica de fosfato, que consegui buscar num caminhão Mercedes 1113 em Cubatão para os testes na cultura da soja. O saudoso Marcelo Guimarães já descortinava essas tecnologias, ainda como estudante de geologia na Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, no início da década de 1960.
As experiências mais consolidadas na região Centro-Oeste indicam que essas tecnologias serão a chave para a consolidação da agricultura sustentável na região tropical.
O que foi superado e o que ainda precisa ser aprimorado para que a agricultura regenerativa seja amplamente adotada no Brasil?
Culturalmente falando, já se deu um grande passo no sentido de convencer alguns produtores ousados da importância da aplicação do que já se sabe sobre os princípios e as tecnologias para a agricultura regenerativa. Outro avanço foi estimular instituições e pesquisadores a desenvolverem conhecimentos sobre o tema.
Para a adoção dos princípios da agricultura regenerativa em larga escala, antevejo que precisa de muito investimento em pesquisa, inovações e educação do consumidor, além de estudos sobre a viabilidade econômica. Políticas públicas com foco no desenvolvimento dessa agricultura podem nortear os esforços dos centros de pesquisa para atingir as grandes metas desse novo meio de produzir, sobretudo alimentos.
Que mensagem o senhor gostaria de deixar para os jovens pesquisadores e agricultores que buscam um futuro mais sustentável para a agricultura?
As mudanças de paradigmas certamente não serão promovidas pela geração que os construiu e ajudou a solidificá-los. Os jovens pesquisadores têm à frente um grande desafio, pois estamos passando por uma transição na produção de alimentos no mundo, da chamada “Green Revolution” para a “Ever Green Revolution”. De maneira especial, as oportunidades de pesquisa em agricultura regenerativa são simplesmente fascinantes, a exemplo da compreensão de como a microbiota do solo, microrganismos endofíticos, recondicionadores de solo e espécies de plantas interagem e respondem em termos de saúde do solo e da planta, assim como produtividade e rentabilidade nesse novo ambiente e sistema de produção.